O Holocausto da Honestidade – Parte 2

AEI NEWS - ARTIGOS DE OPINIÃO

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

“ No Brasil, as pessoas honestas já foram identificadas, estão sendo marginalizadas e, em breve, serão executadas. Começa a ocorrer o Holocausto da Honestidade “.

 

Autor: José Roberto da Costa [*]

 

Dando prosseguimento à publicação do artigo intitulado “ Holocausto da Honestidade “, apresentamos, a seguir, a Parte II.


O Poder Judiciário: Sem um Judiciário independente e isento não se consegue estabelecer e sustentar a ordem numa nação. Ele impacta o destino das coisas e das pessoas, exerce papel fundamental na prática da justiça e na tranqüilidade de um país. Embora existam pessoas que utilizam a força das leis para acertadamente confirmar seus princípios éticos, em essência, a maioria  respeita as leis por temor de suas conseqüências, e não porque acredita piamente nelas. A justiça existe para exercer papel fundamental na regulação do certo e do errado, do justo e do injusto, e, com isso, contribuir para o ordenamento da sociedade.

A Justiça ainda está longe de atender aos anseios da sociedade brasileira. Ela tem impacto em tudo que rege as relações entre pessoas, entidades, empresas e governos, através da aplicação da lei.  Infelizmente, no Brasil de hoje, é melhor um mau acordo do que esperar pelos resultados de um processo judicial. Independente de esparsos e denunciados casos de corrupção em seu seio e de conflitos internos entre suas diversas instâncias pelo estabelecimento da imagem da maior autoridade (a concessão e a supressão de liminares e alteração de sentenças em algumas horas, explicaria isso), ela funciona não se rebelando contra uma inexplicável burocracia que a torna lenta, improdutiva, desmoralizadora ,sem dirimir, com rapidez, o exercício do direito, aumentando sobremaneira a tensão entre as partes envolvidas. O passar do tempo conspira contra a noção de justiça. A morosidade contribui para a impunidade. A sociedade vive a sensação de desamparo e de descrédito.

Numa nação civilizada, é inaceitável um processo judicial percorrer as barras de um tribunal, sem solução, por dezenas de anos, Além disso, é inexplicável que um magistrado não tenha que dar celeridade temporal à apreciação das causas sob sua direta responsabilidade, à exemplo da mesma obrigação existente para qualquer cidadão que se encontra em atividade profissional remunerada. Ele não pode se sentir proprietário do seu próprio tempo, quando exerce função governamental, de caráter decisório, servindo a qualquer esfera de poder. A justiça é lenta, entre outros fatores, por que os juízes são lentos, ou seja, não se julgam obrigados a prestar contas a  ninguém do seu tempo de trabalho. Além dos invariáveis custos financeiros para as partes, paira no ar a sensação perene de impunidade. Recursos e mais recursos jurídicos adiam a solução. Dá-se espaço para criação de um período de tempo caótico, até o julgamento final.  Existem causas que, com o passar dos anos, até perdem sentido de ser. Isso se traduz num imenso estímulo ao descrédito do papel saneador a ser exercido pela justiça, perante a sociedade.

A sua lentidão também provoca sérias conseqüências, quais sejam a expiração de prazos para julgamento de causas, com a nefasta e inaceitável prescrição das penas. Nesse caso, ocorre uma das coisas mais graves: a justiça se silencia, optando pelo vazio. Criminosos saem fortalecidos e convencidos de que a corrupção vale a pena. O exemplo é aterrador para a sociedade e para o equilíbrio político das instituições democráticas.

A justiça brasileira também apresenta elevado grau de perniciosa vaidade jurídica entre seus pares, e de relativa dependência da opinião dos políticos para muitas de suas promoções em cargos públicos da própria carreira.

O Ministério Público: Não se encontra diretamente vinculado a qualquer um dos Poderes, embora, por força de suas atribuições , esteja mais próximo do Poder Judiciário. Trabalha como uma caixa de ressonância do cidadão, junto aos Três Poderes, conduzindo inquéritos fruto da apuração de denúncias apresentadas pelo órgão fiscalizador do governo, pela sociedade e pela mídia em geral. Após a obtenção de indícios e de provas contra atos de corrupção em varias instâncias do poder, oferece denúncias ao Poder Judiciário. Entretanto, por iniciativa própria, poderia assumir um papel mais combativo e atuante na missão governamental de enfrentamento à corrupção. Espera-se isso dele.

A Sociedade: É fundamentalmente honesta, composta por cidadãos integrantes das diversas classes sociais, que acreditam e praticam conceitos éticos e morais. Honestidade não é uma virtude, é uma obrigação. Porém, como já citado, ela funciona de forma individualizada, esperando que apareça um salvador. Tem baixa capacidade de reação. Sente-se impotente. Vive de surtos de indignação, à medida que a mídia aumenta o elenco de denúncias. Não acredita que os donos do poder estejam realmente dispostos a transformar o combate à corrupção em meta governamental, ou seja, levar os fatos às últimas conseqüências. Mantém estado permanente de revolta, sem expressivos resultados práticos. Tem plena consciência de que os recursos desviados por atos de corrupção são fruto de seu trabalho e que a impunidade justifica a ousadia dos corruptos, que atuam com certa liberdade dentro do governo. Sabe que a justiça tarda e, muitas vezes, falha na rapidez das condenações. Sabe que o governo deseja encerrar as denúncias de corrupção com simples medidas de demissões, quando os indiciados integram seus quadros.

A leitura da Coluna dos Leitores, nos mais diferentes jornais do país, exprime diariamente o nível de revolta da sociedade, através de pronunciamentos de alguns de seus cidadãos mais indignados que, em última instância, refletem o desejo generalizado de se interromper o ciclo crescente de facilidades com que os corruptos se apoderam, de forma rotineira, dos recursos públicos.

Com a paciência esgotada pelo rol interminável de escândalos envolvendo malversação de dinheiro público, a sociedade agora, utilizando a força de contato e de convocação das redes sociais, esboça um acordar, ao desencadear manifestações pacíficas nas principais capitais, desprezando a presença de políticos, sindicatos e entidades diversas, num movimento de caráter apartidário.

Para surtir efeito duradouro e não se transformar numa ação político-social isolada, é preciso que esse ainda pequeno contingente de jovens transforme essa indignação num movimento crescente e sistemático de adesão da população, pressionando as diversas esferas do poder para  intensa mobilização dos órgãos de fiscalização e repressão no combate permanente à corrupção no país. A indignação precisar ser objeto de ação permanente, e as redes sociais podem ser excelente instrumento de mobilização popular, arrastando indecisos, indiferentes e desencantados para suas fileiras. A resignação não pode prevalecer porque ela significa perder a capacidade de indignar-se e chancelar a progressão da corrupção.

Por fim, todos sabem que é praticamente impossível erradicar a corrupção numa nação. Mas é obrigação inquestionável de qualquer governo legalmente constituído, impedir que ela se torne uma verdadeira rotina, agindo contra todo e qualquer desvio de recursos públicos, com encaminhamento de seus autores para a Justiça.

As estimativas de quantificação do valor anual da corrupção – e que serão sempre estimativas -, em relação a bilhões de reais ou de seu percentual sobre o PIB, acaba simplesmente por se transformar numa expressão numérica, diante da imperiosa necessidade do governo prestar contas à sociedade sobre o uso dos recursos públicos sob sua guarda, e de não aceitar conviver com qualquer nível de corrupção. Ela precisa ser combatida com rigor e persistência, sem titubeios, com novos mecanismos,  com aumento de fiscalização e punição exemplar. Essa é uma obrigação primordial do Estado, perseguir a transparência, independente de ser passível ou não de pressão da população, acabando com esse secular quadro de práticas fraudulentas que permeia a administração pública.

Assim, se não houver um movimento nacional contra a impunidade, que assegure  radical mudança de atitudes em defesa da honestidade, e de iniciativas concretas entre esses atores para conter a brutal espiral de corrupção que permeia o país, será possível inferir, com imensa tristeza, que nós estaríamos caminhando, como disse no início dessas linhas, para o Holocausto da Honestidade no nosso país – com os cidadãos honestos identificados, sendo marginalizados e, em breve, executados.

 

[*] José Roberto da Costa, economista, trabalhou no Poder Executivo do Serviço Público Federal, durante cinquenta anos, exercendo diversos cargos de chefia.
E-mail: jrcosta @globo.com

Leia também: O Holocausto da Honestidade – Parte 1