Sete anos depois de ser forçado a deixar o governo e de ser cassado pela Câmara dos Deputados, José Dirceu, o ex-ministro da Casa Civil do Governo Lula, foi condenado a 10 anos e 10 meses de prisão pelos crimes de formação de quadrilha e corrupção ativa, mais multa de R$ 676 mil. Ele foi considerado o chefe do mensalão. O Supremo também fixou penas de José Genoíno e Delúbio Soares em sessão conturbada, marcada por confronto entre o ministro relator, Joaquim Barbosa e o revisor, Ricardo Lewandowski.
BRASÍLIA [ ABN NEWS ] — Por votação unânime, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) fixou, nesta segunda-feira (12), em 2 anos e 11 meses de reclusão, a pena imposta ao ex-ministro-chefe da Casa Civil José Dirceu pelo crime de formação de quadrilha (artigo 288 do Código Penal – CP). A decisão foi tomada na continuidade do julgamento da Ação Penal 470, na qual, por votação majoritária, José Dirceu foi condenado, também, à pena de 7 anos e 11 meses de reclusão, além de 260 dias-multa à base de 10 salários mínimos cada, pelo crime de corrupção ativa (artigo 333 do CP) praticado em relação a nove deputados federais.
Para fixar ambas as penas, o ministro Joaquim Barbosa, cujo voto foi vencedor, levou em consideração as circunstâncias previstas no artigo 59 do CP. Sobretudo, apontou a “culpabilidade extremamente elevada” de José Dirceu, por ter-se valido de posição de mando dentro do PT e no exercício de uma das funções mais importantes no governo, como chefe da Casa Civil, para coordenar e dar cobertura política à quadrilha que perpetrou os crimes. O ministro lembrou, nesse contexto, de depoimentos de testemunhas e também réus, como o então presidente do PTB Roberto Jefferson, de que quem “batia o martelo”, ou seja, dava a última palavra para as ações do grupo criminoso para o repasse de recursos, era José Dirceu.
O ministro ressaltou que, além de usar seu gabinete no Palácio do Planalto para se reunir com dirigentes partidários e operadores do esquema de desvio de recursos públicos para essa finalidade, José Dirceu ainda negociou a simulação de empréstimos financeiros com dirigentes do Banco Rural.
Por fim, o ministro destacou as consequências desfavoráveis da ação de José Dirceu. Segundo ele, os atos do grupo extrapolaram as bases do simples cometimento dos crimes previstos no CP, pois atingiram valores básicos em que se funda o sistema democrático brasileiro, como a independência dos poderes, o sistema democrático e a pluralidade de opiniões no parlamento.
Cálculo – Na aplicação da pena pelo crime de formação de quadrilha, o relator fixou a pena-base em 2 anos e 6 meses de reclusão, agravando-a em um sexto, em conformidade com o artigo 62, inciso I, do CP, tendo em vista o papel de liderança de José Dirceu no grupo criminoso, chegando à pena de 2 anos e 11 meses.
Já quanto ao crime de corrupção ativa, ele fixou a pena-base em 4 anos e 1 mês; agravou esta pena em um sexto, de acordo com o artigo 62, I, do CP, elevando a pena para 4 anos e 9 meses. Por entender que esse crime foi praticado em continuidade delitiva, ou seja, no mesmo período de tempo (2003 a 2005) e de maneira semelhante em relação aos objetos do crime, não aplicou pena individual para a prática do delito em relação a cada parlamentar, mas apenas uma vez, aumentada em dois terços, conforme previsto no artigo 71 do CP. Com isso, chegou à pena definitiva de 7 anos e 11 meses, além de 260 dias-multa.
Réu José Genoíno
O Plenário do STF definiu as penas a serem aplicadas ao réu José Genoino, condenado na Ação Penal 470. Ao seguir o voto do relator, a maioria dos ministros fixou a pena de Genoino em 2 anos e 3 meses por formação de quadrilha e em 4 anos e 8 meses por corrupção ativa, além de mais 180 dias-multa. Cada dia-multa foi estipulado em 10 salários mínimos, sendo o valor do salário mínimo vigente à época em que os crimes foram praticados, corrigido monetariamente.
Formação de quadrilha – Em relação ao crime de formação de quadrilha, o relator, ministro Joaquim Barbosa, fixou a pena em 2 anos e 3 meses de reclusão. Seguiram o mesmo entendimento os ministros Luiz Fux, Marco Aurélio, Gilmar Mendes, Celso de Mello e Ayres Britto. O revisor da AP 470, ministro Ricardo Lewandowski, não participou dessa fase porque votou pela absolvição de Genoino. Pelo mesmo motivo não participaram os ministros Rosa Weber, Cármen Lúcia Antunes Rocha e Dias Toffoli.
Ao fixar essa pena, o relator lembrou que Genoino atuou como interlocutor político do grupo criminoso e tinha o papel de formular propostas de acordo aos líderes dos partidos que faziam parte da base aliada do governo federal à época. O ministro afirmou ainda que Genoino valeu-se da influência do Partido dos Trabalhadores (PT) do qual era presidente, para, junto aos demais réus, distribuir recursos milionários em espécie a parlamentares federais durante mais de dois anos (2003 a 2005). Segundo Barbosa, Genoino “ajudou a colocar em risco o regime democrático, a independência dos poderes, o sistema republicano e contribuiu para profanação das instituições políticas nacionais”.
Corrupção ativa – Já em relação ao crime de corrupção ativa, os ministros chegaram à pena de 4 anos e 8 meses de reclusão mais 180 dias-multa. Em relação a esse crime só o ministro Lewandowski não se manifestou na fase da dosimetria, uma vez que também votou pela absolvição de Genoino. Os ministros Dias Toffoli e Cármen Lúcia se posicionaram por uma pena menor, chegando a 2 anos e 8 meses de reclusão e mais 26 dias dias-multa. Já o ministro Marco Aurélio fixou a pena em 5 anos e 3 meses de reclusão. Os demais ministros seguiram o voto do relator.
Ao descrever a atuação de Genoino em relação a esse crime, o ministro Joaquim Barbosa afirmou que sua culpabilidade neste caso é “menos intensa” do que a do corréu José Dirceu, mas também é elevada porque na condição de presidente de um partido político que acabara de ganhar as eleições para a Presidência da República, ocupou-se diretamente da negociação de valores com os parlamentares Pedro Corrêa, Pedro Henry e Roberto Jefferson em troca do apoio desses parlamentares aos projetos de interesse do PT na Câmara dos Deputados.
“Não se tratou de um crime de corrupção ativa comum, mas de uma ação voltada à conspurcação do sistema representativo e tendente a ampliar de maneira criminosa o poder de dominação do partido à época presidido por ele”, afirmou o relator.
Réu Delúbio Soares
O Plenário do STF também fixou as penas do réu Delúbio Soares, ex-tesoureiro do Partido dos Trabalhadores (PT), condenado pela prática dos crimes de formação de quadrilha e corrupção ativa, imputados na Ação Penal (AP) 470. Acompanhando o voto do relator, Joaquim Barbosa, o Plenário condenou o réu à pena de 2 anos e 3 meses pelo crime de formação de quadrilha, e a 6 anos e 8 meses, mais o pagamento de 250 dias-multa, pelo crime de corrupção ativa. O dia-multa foi fixado em cinco salários mínimos.
Formação de quadrilha – Segundo o ministro-relator, em relação ao crime de formação de quadrilha, o réu apresentou culpabilidade elevada, uma vez que atuou intensamente como elo entre representantes políticos e empresários do ramo publicitário responsáveis pela distribuição de recursos. O ministro também identificou que as circunstâncias do crime são desfavoráveis, uma vez que o réu participou da distribuição de recursos a parlamentares por um longo período, justificando a fixação da pena base em 2 anos e 3 meses. O voto foi acompanhado pelos ministros Luiz Fux, Gilmar Mendes, Marco Aurélio, Celso de Mello e o presidente Ayres Britto. Não votaram no item os ministros, Ricardo Lewandowski (revisor), Dias Toffoli, Rosa Weber e Cármen Lúcia Antunes Rocha, uma vez que absolveram o réu da imputação de formação de quadrilha.
Corrupção ativa – Em relação ao crime de corrupção ativa, o ministro-relator também identificou circunstâncias de alta culpabilidade, fixando a pena-base em quatro anos, aumentada de dois terços em função da continuidade delitiva, nos termos do artigo 71 do Código Penal, uma vez que as condutas se referem à corrupção de nove parlamentares. A pena final fixada pelo relator, de 6 anos e 8 meses, mais 250 dias-multa, foi acompanhada pelos ministros Rosa Weber, Luiz Fux, Gilmar Mendes, Marco Aurélio, Celso de Mello e Ayres Britto.
O ministro-revisor, Ricardo Lewandowski, entendeu que o réu foi um dos principais mentores e participou ativamente do esquema criminoso, o que justificou a fixação da pena em 4 anos e 1 mês mais o pagamento de 20 dias-multa, no que foi acompanhado pelos ministros Dias Toffoli e Cármen Lúcia.
Sessão tensa
As sentenças sairam depois de uma discussão intensa entre os ministros Joaquim Barbosa e Ricardo Lewandowski, que, visivelmente abalado, abandonou o plenário.
As definições das penas para o núcleo político foi antecipada por decisão do ministro relator, Joaquim Barbosa. O ministro revisor, Ricardo Lewandowski, não gostou, reclamou, e os dois travaram uma áspera discussão:
Ricardo Lewandowski: Toda hora vossa excelência trás uma surpresa, eu não entendo por que essa surpresa. Eu não aceito surpresa, senhor ministro relator.
Joaquim Barbosa: Eu é que estou surpreendido com a ação de obstrução de vossa excelência. Vossa excelência, na última semana, leu um artigo de jornal.
Ricardo Lewandowski: Eu considero isso algo muito grave, muito grave. Senhor presidente, eu exijo uma retratação.
Joaquim Barbosa: Mas eu disse a verdade… Não tem retratação alguma.
Ricardo Lewandowski: Então, eu me retiro do plenário.
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